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Em 11 de novembro de 2015,o Brasil foi oficialmente atingido por uma das maiores epidemias de sua história. O Ministério da Saúde decretou a epidemia do vírus Zika como Situação de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional. Mas o que assustou os brasileiros, em especial as mulheres não foram os típicos sintomas da doença: manchas vermelhas, febre e dores pelo corpo. O que mobilizou todo os país foi a associação do vírus a um surto de bebês nascidos com microcefalia, em especial no Nordeste.

A partir do programa vencedor do Prêmio Vladimir Herzog de Jornalismo, Caminhos da Reportagem – Mulheres da Zika, exibido pela TV Brasil, a Agência Brasil conta a histórias das principais personagens que foram atingidas pela epidemia, mas que em muitos casos não receberam a atenção e as informações adequadas do Estado para garantirem seus direitos. A série de reportagens apresenta o calvário dessas mães em busca de atendimento para os seus filhos e como um vírus mudou até mesmo a forma como as brasileiras encaram a gavidez.

Confira abaixo a série de reportagens :

Mães enfrentam rotina exaustiva em busca de tratamento

É na alta madrugada que Miriam de França Araújo se levanta, arruma o bebê, toma café e espera pelo carro da prefeitura na zona rural. O motorista chega por volta de 3h da manhã e a leva com seu filho por uma estrada de terra sinuosa e cercada pela vegetação peculiar do sertão do Cariri. Já são 4h quando ela chega ao centro de São José dos Cordeiros e troca de transporte. Embarcada na van da prefeitura, segue para o seu destino final: o Hospital Dom Pedro I, em Campina Grande (PB). A maratona se repete pelo menos duas vezes por semana para que seu filho Lucas faça fisioterapia e receba assistência médica.

Miriam é personagem de uma triste história que atingiu o Brasil há mais de um ano. De acordo com o Ministério da Saúde, de outubro de 2015 até outubro de 2016, foram confirmados 2.079 casos de microcefalia. Outros 3.077 casos suspeitos permaneciam em investigação até 22 de outubro. Do total de casos confirmados, 392 tiveram resultado positivo para o vírus Zika. O ministério, no entanto, considera que houve infecção pelo Zika na maior parte das mães que tiveram bebês com diagnóstico final de microcefalia.

Miriam e outras mulheres atingidas pela epidemia de zika vivem uma maratona de idas a hospitais, consultas, exames e até disputas na Justiça em busca de apoio para elas e seus filhos, afetados pela Síndrome Congênita do Vírus Zika, que se materializou de forma mais forte no aumento do diagnóstico de bebês nascidos com microcefalia.  A epidemia que chamou a atenção do mundo todo tem deixado suas principais vítimas na sombra. Donas de uma vida já difícil, mulheres nordestinas agora carregam diariamente seus filhos em busca de cura.

“As crianças que nascem com diagnóstico de microcefalia têm alteração do sistema nervoso central. Essas alterações podem afetar o desenvolvimento típico da criança e dificulta que elas tenham aquisições dentro do tempo certinho. Aí o papel da fisioterapia precoce é minimizar essas disfunções”, explica a fisioterapeuta Patrícia Carvalho, do Centro de Reabilitação Irmã Dulce, em Salvador.

O choro dos bebês ecoa nos corredores dos hospitais e centros de reabilitação. Se os exercícios de fisioterapia parecem um martírio para as crianças, para as mães as terapias representam a esperança de amenizar sequelas. A fisioterapeuta Jeime Leal, do Hospital Dom Pedro I, em Campina Grande (PB), ouve diariamente o desabafo das pacientes. “Às vezes elas chegam aqui, choram, choram, choram e eu não tenho muito o que falar porque elas já são guerreiras por estarem nessa batalha. Eu sei que elas realmente não estão preocupadas com elas mesmas, nem com o marido, só com a criança. Elas fazem de tudo para vir para fisioterapia e não perder nenhuma sessão. Então acho que isso tem sobrecarregado um pouco elas. Não sei até que ponto, nem até quando elas vão conseguir suportar tudo isso sozinhas.” relata Jeime.

 

“Quando a gente soube, foi assustador”

Foi com silêncio e lágrimas que Paula Custódio reagiu à pergunta: qual é o seu sonho? Paula não revelou com o que sonha, mas contou como sua história mudou depois no nascimento de Anthony, seu primeiro filho. “Quando a gente soube, foi assustador porque eu nunca tinha ouvido falar sobre isso. Não tinham outras pessoas ao meu redor, como eu vejo hoje, que tivessem outras crianças [com microcefalia]. Primeiro, o médico não soube falar o que era. Eles só assustavam, diziam que a criança corria risco de morrer, falavam que ele não ia andar. Foi quando mandaram a gente para um médico aqui em Salvador. Ele me tranquilizou mais, disse que já viu casos piores, então era para curtir o resto da gravidez e esperar nascer”, relembra Paula.

Paula é cuidadora de idosos, mora em Esplanada, distante 165 quilômetros de Salvador. No início da gravidez, sentiu dores nas articulações. Fez o teste de sorologia e cinco meses depois do nascimento de Anthony ainda não tinha o resultado do exame. A suspeita de que foi infectada pelo vírus Zika surgiu no último ultrassom, que detectou a microcefalia em Anthony. “O meu medo era como ia ser a feição dele, se ia ser bonito. Porque no começo, quando fui olhar na internet, só tinha umas imagens feias”, relata Paula.

Apesar da agenda cheia com a atenção especial ao bebê, Paula tem conseguido conciliar a nova rotina com o trabalho. E não deixou de sonhar, pelo filho e por ela. “Eu tenho vários sonhos. Só que o principal, fora ele, tem um que eu não quero falar agora”, diz emocionada.

 

“Deus está testando a fé de cada mãe”

A voz suave e o rosto de menina contrastam com o tamanho da responsabilidade que Amanda dos Santos Oliveira carrega nos braços. A jovem de 19 anos é mãe de Emanoel, um dos bebês afetados pela Síndrome Congênita do Zika em Campina Grande (PB). Ela descobriu que estava grávida aos cinco meses de gestação. Antes de Emanoel, a única responsabilidade de Amanda era com os estudos. Hoje, leva uma rotina de compromissos diários com o filho: consulta, exame, fisioterapia, amamentação.

Em 14 de dezembro de 2015, Emanoel nasceu na cama dos pais de Amanda: a bolsa estourou e não deu tempo de ir para o hospital. Quando o Samu chegou, o bebê já estava nos braços da mãe, ainda ligado pelo cordão umbilical. Levados para o hospital, receberam os primeiros cuidados e também a notícia de que Emanoel tinha microcefalia. Amanda lembrou que durante a gravidez apareceram algumas manchinhas vermelhas em seu corpo, um dos sinais característicos da infecção pelo Zika.

No bairro José Pinheiro, periferia de Campina Grande, a vida no barraco de poucos metros quadrados ficou ainda mais apertada. Nos fundos do quintal, ela divide um único cômodo com o pai, a mãe, o irmão, o filho e os animais de estimação. Uma cama de casal, um beliche, um guarda-roupa pequeno, uma geladeira e um fogão compõem o mobiliário da casa. Todo o enxoval do menino foi doado.

A mãe da jovem faz faxina e ganha R$ 50 por semana e o pai trabalha fazendo serviços gerais. Amanda aguarda resposta do pedido que fez para receber o Benefício de Prestação Continuada. Na Justiça, ela pede para que o pai do menino reconheça o filho e pague a pensão alimentícia. A jovem conta toda sua história sem tirar o sorriso do rosto e credita tudo o que está passando a uma missão divina. “Não dá para explicar de onde eu tiro força. É só de Deus mesmo. Se ele me deu, tenho que ir até o fim. Acho que ele está testando a fé de cada mãe, não só da minha”, acredita Amanda.

 

Mulheres à sombra

Mesmo mais de um ano depois, ainda restam dúvidas de como o vírus afeta o sistema nervoso central do feto, causando a Síndrome Congênita do Zika. Os pesquisadores correm atrás do desconhecido, entretanto, a epidemia coloca em evidência uma realidade bem conhecida de desigualdade e discriminação.

“Por trás da epidemia, há mais que um mosquito e um vírus. Tem um sujeito oculto que precisa ser lembrado, ser trazido para o centro da narrativa: a mulher jovem negra em idade fértil”, afirma a médica Jurema Werneck, integrante da ONG Criola.

A declaração revela a preocupação em torno da situação da mulher, em especial a negra. Especialistas são unânimes em afirmar que a epidemia revela uma série de violações de direitos, a começar pela invisibilidade. Os números oficiais divulgados pelas secretarias municipais e estaduais de saúde referem-se somente aos bebês que nasceram com alteração neurológica.

A assessoria do Ministério da Saúde informou que o órgão ainda não tem informações socioeconômicas e raciais das mulheres afetadas pela epidemia. Mas, esse perfil é facilmente percebido quando se observa mais atentamente os espaços onde elas circulam com seus filhos. A maioria delas é usuária dos serviços do Sistema Único de Saúde, mora na periferia de grandes cidades, é negra e jovem.

Em Pernambuco, estado mais afetado, dados da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social corroboram a impressão inicial. Até outubro de 2016, dos 392 casos confirmados de bebês com microcefalia no estado, 223 são filhos de famílias vinculadas ao Cadastro Único de benefícios sociais. Ou seja, 57,3% deles são filhos de famílias que ganham até R$ 85 por mês e recebem o Bolsa Família. Cerca de 70% das mães dessas crianças são jovens de 14 a 29 anos, 77% são negras e 89% estariam aptas a receber o Benefício de Prestação Continuada (BPC), concedido pelo INSS a idosos ou pessoas portadoras de alguma deficiência e que ganham menos de um quarto do salário-mínimo por mês, o que equivalente a R$ 220.

A representante da ONU Mulheres no Brasil, Nadine Gasman, reforça a importância da efetivação das políticas nacionais de sáude da mulher para enfrentar o racismo e sexismo institucional. “Nós temos que reconhecer que a epidemia está atingindo a população mais pobre e um grande número de mulheres negras. O Brasil tem políticas públicas de saúde, de igualdade racial e políticas públicas das mulheres. Este é o momento para que essas políticas sejam realidade para saber como atingir essas populações e garantir que desde as pesquisas até os tratamentos, a reabilitação, os serviços sejam pensados e desenvolvidos com uma perspectiva de gênero e raça.”

A resposta brasileira à epidemia do zika é elogiada por muitos especialistas e instituições de saúde. Mas, no que diz respeito a assistência às mulheres, pesquisadores e ativistas consideram que o Estado deixou a desejar. “Diante de uma epidemia a gente vê que uma preocupação inicial foi com o feto, com a saúde das crianças, e é justo que se tenha essa preocupação. Mas é importante que haja um equilíbrio na atenção a mulher, do que impactou na vida delas, de quantas desejaram, planejaram essa gravidez e se depararam com um filho que vai trazer uma série de consequências para sua vida”, afirma a secretária da Mulher do estado da Paraíba, Gilberta Soares.

 

Sonho comprometido

O medo das consequências da infecção do vírus Zika e o impacto emocional das primeiras notícias sobre a epidemia mudaram o significado da gravidez para a mulher brasileira. Os riscos e o desconhecimento sobre os reais efeitos da Síndrome Congênita do Zika levaram o Ministério da Saúde, e em seguida a Organização Mundial da Saúde, a recomendarem que as mulheres adiassem os planos de engravidar. A recomendação acendeu o debate acerca do planejamento familiar e dos direitos relacionados à reprodução e à sexualidade.

A técnica de enfermagem Rosângela Veloso trabalha há mais de 20 anos no Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros, conhecida como maternidade da Encruzilhada, no Recife (PE). Acostumada a auxiliar os médicos nos exames de ultrassom, ela conta que a epidemia afetou o comportamento das pacientes. “Antigamente, a preocupação era o sexo, hoje em dia é o tamanho da cabeça. Os médicos dizem que a fase da gravidez mais atuante para desencadear a síndrome é de cinco meses em diante, mas no primeiro ultrassom ela já quer saber o tamanho da cabeça”, relata Rosângela. O obstetra e gestor executivo da maternidade, Olímpio Moraes Filho, tem a mesma impressão de sua colega.

“Antigamente as mulheres iam felizes fazer ultrassom, hoje parece que estão entrando numa câmara de gás, parece uma tortura, é um medo tremendo. A gravidez tornou-se um sofrimento muito grande para as mulheres e não estamos oferecendo informações seguras para elas, porque a Zika surgiu há pouco tempo”.

A percepção dos profissionais da maternidade comprova-se por estudos feitos com as gestantes. O Instituto Patrícia Galvão e o Data Popular divulgaram pesquisa com mulheres grávidas de todas as regiões do país que fizeram o pré-natal pelo SUS, no contexto da epidemia. O estudo mostra que 6 em cada 10 grávidas tem medo de fazer o exame de ultrassom e descobrir que o bebê tem microcefalia. Apesar do medo, mais da metade delas gostaria de fazer mais exames durante o pré-natal. A pesquisa revela ainda que 31% dessas mulheres não programaram a gravidez e 99% delas sabem que se a mulher grávida for infectada pelo Zika, o bebê pode ter microcefalia.

A decisão de engravidar ou não e quantos filhos ter é um direito previsto na Constituição Federal. O artigo 226 diz que o casal tem liberdade de planejar sua vida familiar e reprodutiva e o Estado deve garantir os recursos para exercício desse direito. Apesar das políticas de planejamento familiar, a gravidez não planejada é uma realidade no Brasil: segundo o Inquérito Nacional sobre o Parto e o Nascimento, 30% das mães entrevistadas não queriam engravidar.

A Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos no Brasil (PNAUM 2014) revela que 89,4% das mulheres não grávidas tinham acesso a contraceptivos orais e injetáveis, em serviços públicos ou privados de saúde. Entre as jovens de 13 a 19 anos, 13,2% não tinham acesso. As regiões Centro-Oeste e Nordeste apresentaram as maiores proporções de acesso nulo aos métodos, 15% e 10,4%, respectivamente.

As Unidades Básicas de Saúde deveriam ter todos os métodos contraceptivos disponibilizados para a população. Mas, na prática, há dificuldades para atender toda a demanda. A farmácia popular da maternidade do Cisam, no Recife, por exemplo, mantém o estoque com as doações que recebe de laboratórios farmacêuticos e as remessas não são constantes. Os postos de saúde passam por problemas semelhantes. Em João Pessoa (PB), uma das unidades de saúde da família oferece todos os métodos contraceptivos, mas os que são mais utilizados, pílula combinada e injetável, acabam logo.

Em nota, o Ministério da Saúde respondeu que “apoia e promove ações de saúde sexual e reprodutiva, por meio da disponibilização de orientações, informações e métodos contraceptivos, sempre com respeito à autonomia e ao direito de exercer a sexualidade e a reprodução, livre de discriminação, imposição e violência.” A nota diz ainda que, de 2011 a 2015, o Ministério distribuiu em todo o país 2,4 bilhões de preservativos masculinos e femininos e investiu, no mesmo período, R$ 160,6 milhões na aquisição de diferentes métodos. No caso do estado da Paraíba, o ministério alega que foram enviados em 2015 e no primeiro semestre de 2016, mais de 400 mil contraceptivos, entre ampolas injetáveis, cartelas de pílulas e o dispositivo intrauterino (DIU).

 

Mobilização e empoderamento

Se por um lado as mulheres figuram como as principais vítimas do vírus Zika no país, por outro elas emergem como líderes e empreendedoras de iniciativas de apoio. Seja na internet ou em associações, as mães de bebês com microcefalia vêm se unido em redes de solidariedade para se proteger, informar e amenizar as consequências da epidemia A mobilização começou por aquelas que foram afetadas diretamente pelo vírus: as mães. Juntas nos corredores de hospitais, elas compartilham suas vivências e se unem para garantir seus direitos.

No Hospital Municipal Dom Pedro I, em Campina Grande (PB), salas antes ocupadas para fins médicos, agora estão cheias de doações de fraldas, latas de leite, roupas e calçados infantis. “O que a gente tem feito aqui desde o começo foi encampar essa dor e essa angústia dessas mãe”, conta Adriana Melo, especialista medicina fetal. A roda de psicologia é um dos momentos mais aguardados pelas mães que frequentam a unidade. Depois das sessões de fisioterapia dos filhos, elas conversam sobre seus anseios e são conduzidas por uma psicóloga a pensar nas mudanças de suas vidas.

“Todo aprendizado humano ocorre num processo coletivo. Seja troca de conhecimento, seja de afeto. O grupo tem um potencial enorme de transformação. A gente aposta nessa técnica para que elas possam realmente perceber que não estão sozinhas nessa luta”, explica a psicóloga Jaqueline Ramos Marinho.

Um dos focos do trabalho é ressignificar a maternidade para essas mulheres, que em grande parte descobriu a microcefalia no pós-parto. “Elas precisaram fazer toda uma desconstrução de uma maternidade idealizada para substituir por uma maternidade real. É um trabalho árduo. Não mais olhar o filho como uma criança que possui uma deficiência, mas como uma criança que tem também potencial de transformação”, comenta a psicóloga.

Transformar a dificuldade em algo produtivo foi o que fez Jéssica de Jesus, mãe de Ícaro, um dos bebês atendido no Centro de Reabilitação da Irmã Dulce, em Salvador (BA). Antes de ser mãe, ela já desenvolvia um trabalho social realizado junto ao bloco de carnaval “Comanches do Pelô”, com foco em ajudar crianças com algum tipo de deficiência. Jéssica e o marido perderam o emprego, mas ficou a experiência de mobilização. A partir da própria vivência das mães ao seu redor, começou a mobilizar os blocos de carnaval de Salvador para arrecadar fraldas e leite nos shows. “O nosso foco principal são as mães que fazem tratamento de fisioterapia com seus filhos aqui. Então, é muito importante que o pouco que a gente tenha, a gente possa doar”, diz. Jéssica ainda tem apoiado as mães para que elas procurem, junto à prefeitura ou mesmo no SUS, o atendimento adequado.

O sonho que eu tenho agora é de ver a felicidade das mães, independente da situação que está acontecendo”, revela Jéssica.

Em Recife, estado mais afetado pela epidemia, as mulheres foram acolhidas pela Associação de Mães e Famílias Raras, a Amar. “A Amar surgiu de uma necessidade de cuidar da mãe. Essa mãe vinha na minha fanpage no Facebook buscando ajuda, dizer que era muito sozinha, que não estava suportando mais aquela pressão e a solidão”, lembra  a presidente da associação, Pollyanna Dias.

A associação foi procurada por um número muito grande de mães que não têm condição financeira para cuidar das crianças com microcefalia. Por isso, promove eventos de arrecadação de donativos para garantir alimentação, fraldas e transporte, entre outras necessidades.

“Uma coisa que diferencia a zika das outras síndromes raras é que, nas outras síndromes, as mães são de todas as classes sociais. Na Síndrome Congênita do Zika, a maioria é de extrema pobreza. Então, a dificuldade inicial foi socorrê-las com essa parte financeira”, explica Pollyanna.

Em Salvador, três gerações de uma mesma família atuam juntas na mobilização da comunidade do Calafate, situada no Bairro Fazenda Grande do Retiro. Aos 82 anos, Magdalena Tavares Leiro lidera um projeto de conscientização dos vizinhos sobre o lixo jogado na rua, principalmente depois da epidemia do Zika. A inspiração para o trabalho é de família. Na sala de sua casa, Magdalena exibe as fotos antigas de mulheres que lutaram por melhorias na comunidade.

Ela repassou a herança de ativismo adiante. Sua filha, Marta Leiro, é um das fundadoras do Coletivo de Mulheres do Calafate, que surgiu em 1992 para combater a violência de gênero. Hoje, o coletivo se dedica à prevenção da epidemia do vírus Zika, que mudou a rotina das mulheres da comunidade. “Em maio de 2015, a gente via muitas queixas das mulheres sobre os sintomas da zika, que resultavam em momentos mesmo de ficar de cama. Só que a zika chega em um contexto de muitas violações de nossos direitos, ela vem complementar muitas coisas que nós já sentimos em uma comunidade popular.” Marta reclama ainda que a epidemia evidenciou a precariedade do direito à saúde. “A gente se depara com mulheres indo à procura dos postos por conta dos sintomas, das dores nas articulações, da febre. E nesse período, a gente não recebia o diagnóstico de zika, a gente chegava no posto de saúde, davam um dipirona e uma injeção e diziam ficar em repouso, que era uma virose.”, diz.

Azânia Leiro, 24 anos, filha de Marta e neta de Magdalena, também está à frente da mobilização das jovens do Calafate.

“É lógico que a gente sabe que tem um acompanhamento para o bebê, mas e para essa mulher?  A pessoa não fica mais sendo vista como a mulher, fica como a mãe do menino que nasceu com microcefalia e a gente não pode dizer isso. Ela continua sendo mulher independente da criança”, destaca Azânia.

A iniciativa dessas mulheres recebe o apoio da Organização das Nações Unidas, que tem promovido ações de publicidade, mobilização e empoderamento de jovens e mulheres em contextos vulneráveis à epidemia. “Para o Fundo de População da ONU, uma resposta que seja efetiva e que tenha as mulheres, as jovens no centro, prescinde de mobilização comunitária e de participação social. Não existe transformação que possa ser mantida se você não investir nas pessoas”, afirma Fernanda Lopes, representante do fundo.

Um ano depois da emergência da epidemia e depois de quatro meses de mobilização da comunidade, Marta comemora o resultado do projeto. “Nós conseguimos pautar na comunidade a relação do Zika com o direito das mulheres, principalmente o direito à informação. Hoje, elas estão exigindo mais informações dos profissionais de saúde e se sentem mais empoderadas”, relata Marta