Mudanças na legislação facilitaram tragédia em Minas Gerais

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consultoria vsd

Uma característica dos governos brasileiros é o imediatismo nas suas ações para resolver os problemas, sem um olhar sobre as consequências a longo prazo. É desta forma que podemos definir a responsabilidade dos gestores em relação à tragédia de Brumadinho. A falta de planejamento na criação ou alteração da legislação leva a decisões frágeis e consequências desastrosas.

No caso do rompimento da barragem de Brumadinho, podemos ver a inconsequente atuação dos governos Federal e Estadual, facilitando as tragédias e, principalmente, excluindo responsabilidades.

Em novembro de 2015, alguns dias após o rompimento da barragem da Samarco em Mariana (MG), a então presidente da República Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), editou um decreto para que o “rompimento ou colapso de barragens” fosse considerado desastre natural.

Na ocasião, a Casa Civil afirmou que o decreto havia sido feito para incluir possibilidade de resgate do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) das vítimas – mesmo que tal medida facilitasse a impunidade.

Na época, especialistas criticaram a medida. Entre eles, Sandra Cureau, que se expressou ao jornal O Globo: “Isso pode ser usado pela Samarco para dizer que não deu causa ao desastre. Isso pode ter reflexo na área penal, também na área civil. Se foi natural, não é responsabilidade de ninguém. Esse desastre não é natural.”

Em dezembro de 2017 o secretário de Meio Ambiente de Minas Gerais, Germano Luiz Gomes Vieira, assinou norma que alterou os critérios de risco de algumas barragens, o que permitiu a redução das etapas de licenciamento ambiental no estado. A medida possibilitou à Vale acelerar o licenciamento para alterações na barragem da Mina de Córrego do Feijão, que rompeu na sexta-feira (25) deixando até agora 34 mortos e 296 desaparecidos.

A norma permite, em alguns casos, rebaixar o potencial de risco das barragens, o que pode levar à redução do processo de licenciamento para apenas uma etapa. Antes da medida, os casos de significativo impacto ambiental do estado passavam sempre por três fases de aprovação: Licença Prévia, Licença de Operação e Licença de Instalação. Com os novos critérios de risco, mais flexíveis, as três licenças são concedidas simultaneamente.

O rebaixamento do risco da barragem Córrego do Feijão veio à tona em 11 de dezembro do ano passado, quando a Vale levou à Câmara de Atividades Minerárias solicitação para novas operações na mina. O pedido incluía operações na barragem que se rompeu, desativada desde 2015. O pedido da Vale foi aprovado por nove dos 12 conselheiros, que seguiram parecer da Secretaria de Meio Ambiente –comandada por Vieira. A secretaria rebaixou a classe de risco da mina de 6 (mais alto risco) para 4 (menor risco.

Com o potencial destruidor rebaixado, a Vale escapou do licenciamento padrão, conhecido como trifásico, e conseguiu aprovar de uma única vez três licenças (prévia, operação e instalação). A medida agilizou as intenções da empresa, entre elas, a de reaproveitar os rejeitos da barragem que rompeu.

O único voto contrário (houve duas abstenções) foi o de Maria Teresa Corujo, representante do Fórum Nacional de Comitês de Bacias Hidrográficas (Fonasc). “Eles queriam transformar o rejeito em produto. Para isso, voltam a beneficiar os rejeitos e misturam com minério recém-extraído”, explicou Corujo.

Na gestão de Vieira, os licenciamentos ambientais passaram a ser feitos a “toque de caixa”, de acordo com o diretor de meio ambiente e saúde da União de Associações Comunitárias de Congonhas, Sandoval de Souza Pinto Filho. “Os licenciamentos têm celeridade estranha, quase todos os processos têm parecer favorável às empresas e a análise técnica é inócua”, avalia Sandoval. Congonhas está a 90 quilômetros da barragem de Brumadinho. A cidade –tombada como patrimônio histórico da humanidade– é cercada por diversas barragens de rejeitos de mineração.

O governo se defende

O governo de Minas informou, à época, que a mudança ocorreu “com vistas a melhor se adequar à atual realidade de classificação dos mais diversos empreendimentos”, com a implantação da versão simplificada de licenciamento ambiental. Em nota publicada em 11 de dezembro de 2017, o governo de Minas informou que a revisão envolveu mais de 100 técnicos do sistema, ONGs e instituições ligadas à questão ambiental e que a mudança era positiva porque os critérios passariam a considerar aspectos locais e o uso de novas ferramentas tecnológicas.

Nomeado pelo então governador Fernando Pimentel (PT), Vieira assinou a Deliberação Normativa 217 duas semanas após assumir o posto de secretário. Ele, porém, vinha trabalhando na elaboração da medida desde maio de 2016, quando era secretário-adjunto de Meio Ambiente.