A justiça brasileira é cega ou se faz de cega

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Para os simples mortais, e eu me incluo nesta lista, que não dividem o mesmo entendimento jurídico dos magistrados brasileiros e da interpretação das leis em nosso país, fica difícil de compreender como a justiça brasileira pode julgar de forma tão distinta assuntos que parecem tão iguais.

Depois de assistir a reportagem veiculada no último domingo, dia 11 de fevereiro, uma reportagem veiculada no Fantástico, que me causou indignação e repulsa, não pude deixar de me manifestar neste texto singelo e cheio de dúvidas.

Trata-se do caso de duas mães que tiveram prisão decretada. Uma está em prisão domiciliar e a outra no presídio, apesar desta última ter tido dois pedidos de habeas corpus negado.

O primeiro caso trata da prisão de Adriana Anselmo, esposa do ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, condenada (já foi julgada) a 18 anos e três meses por lavagem de dinheiro e organização criminosa na operação Calicute, um desdobramento da Lava Jato. Adriana foi condenada no dia 21 de setembro do ano passado e no dia 18 de dezembro conseguiu prisão domiciliar. O pedido foi julgado pelo Ministro Gilmar Mendes, que em seu parecer disse que “encontra amparo legal na proteção à maternidade e à infância, como também da dignidade da pessoa humana, porquanto prioriza-se o bem-estar da criança”. Adriana tem dois filhos, de 15 e 11 anos. Adriana Anselmo paga uma babá para cuidar dos filhos, inclusive nas 40 vezes que viajou ao exterior, sem os filhos.

O outro caso é da auxiliar de Limpeza Alessandra, que está cumprindo prisão preventiva (ainda não foi a julgamento) desde janeiro deste ano, porque tentou entregar ao marido que está preso 8,5 gr. de maconha dentro de um bolo. Alessandra alegou que não sabia da droga e que o bolo foi enviado por um amigo do marido. Sem antecedentes, Alessandra é mãe de cinco filhos, com idades que variam entre 16 anos e 2 meses. No parecer da Ministra Laurita Vaz, do STJ, a prisão domiciliar foi negada porque a defesa de Alessandra não conseguiu provar que ela era indispensável nos cuidados aos filhos. O pedido foi negado duas vezes, uma no Tribunal de Justiça de SP e outra no STJ, agora a defesa recorreu ao STF, onde atua o ministro Gilmar Mendes, mas está aguardando análise há aproximadamente 20 dias. As crianças estão separadas, vivendo de favor em casa de parentes.

A lei prevê que no caso de prisão preventiva, como é o caso de Alessandra e não de Adriana, mulheres com filhos até 12 anos possam ficar em prisão domiciliar (Lei n. 13.257, de 8 de março de 2016).

Neste caso eu me faço algumas perguntas:

  • Para quem vale a lei neste país?
  • Será que os magistrados conseguem fazer uma interpretação tão diferente das leis, que conseguem fazer julgamentos tão distintos?
  • Será que tantas leis não confundem os julgadores?
  • Fatos como esses não deixam claro que necessitamos de uma reforma jurídica tão urgente quanto uma reforma política?

Se começarmos a lembrar de tantos outros julgamentos e fatos que simplesmente não cabem no nosso simplório entendimento, cabe-nos outra pergunta: que justiça é essa?

Se tantos profissionais podem ter suas ações e condutas avaliadas e disciplinadas por seus órgãos fiscalizadores, entidades de classe e até pela opinião pública, e não podemos esquecer que um juiz, com todo o respeito, é um servidor público, então, a quem cabe corrigir as injustiças cometidas pelo judiciário?

É claro que temos maus e bons profissionais em todas as profissões, mas o judiciário é a nossa última estação, o nosso suspiro de esperança, um celeiro da fé de todo cidadão, que a justiça será justa, será igualitária, que nos tratará como iguais, como está no artigo 5º e seus 78 incisos, da Constituição Brasileira de 1.988, ou simplesmente no simbolismo que ela retrata, na imagem de uma mulher com os olhos vendados, que visa seus valores máximos onde “todos são iguais perante a lei” e “todos têm iguais garantias legais“, ou ainda, “todos têm direitos iguais“. A justiça deve buscar a igualdade entre os cidadãos.

Talvez nossa Constituição deva ser totalmente reescrita, para facilitar o entendimento e julgamento dos magistrados, pois o próprio ministro Gilmar Mendes, em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo em 17/01/2018, com o título “Em defesa do habeas corpus”, deixa margem para dúvidas quando diz que “os juízes têm uma relação paradoxal com a liberdade. De um lado, são defensores da ordem: apenas a ordem escrita e fundamentada de um juiz legitima que alguém seja mantido preso (artigo 5º, LXI, da Constituição). De outro, eles são defensores da liberdade: sempre que a lei admitir a liberdade, a obrigação do juiz é assegurá-la (artigo 5º, LXVI, da Constituição)”.